O cross fit é uma proposta de atividade física feita
sob medida para quem está cansado do esquemão das academias
convencionais e, mais do que tudo, cansado dos exercícios parados que já
não apresentam desafios. Mais do que uma modalidade, é um jeito
“raçudo” de encarar o treinamento físico. Quem vai para o cross fit está
a fim de encontrar – e superar – alguns limites bestas que adquiriu em
seu corpo ao longo da vida adulta. Está a fim de treinar para valer e
terminar o treino muito cansado, doido para fazer melhor na sessão
seguinte.
O nome cross fit vem da mistura – ou cruzamento
– de técnicas que o treinamento usa. Ele aproveita principalmente
movimentos do levantamento de peso olímpico (isso mesmo, aquele esporte
de dar medo em que pessoas grandalhonas fazem caretas terríveis ao
erguer acima da cabeça uma barra com anilhas de ferro pesadíssimas), da
ginástica olímpica e da ginástica calistênica (que se vale da ação da
gravidade como estímulo). Numa só aula, o aluno realiza movimentos
intensos que demandam força, potência, resistência cardiovascular,
agilidade, flexibilidade, equilíbrio, coordenação e precisão. Depois de
um pré-aquecimento padronizado para soltar as articulações e de um
aquecimento diferente a cada aula, vêm os desafios-surpresa, que
envolvem corridas rápidas, abdominais no chão, flexões de braço,
agachamentos completos, levantamento de peso, arremessos e uma variedade
de outras combinações de movimentos comuns em certos esportes, mas que
normalmente passam longe das salas de musculação de hoje.
Aliás,
ali quase não há máquinas. Barras fixas, barras soltas, anilhas de
ferro, bolas com peso, cordas (para pular e para subir), colchonetes,
bancos de alturas variadas, dumbbells e kettlebells são os equipamentos
mais usados. E o lugar não lembra em nada uma academia comum. Sabe a
descrição que fiz da academia do Zé?
Ela quase serve para o espaço típico do cross fit: um galpão rústico ou
garagem, sem espelhos, sem glamour, sem desfile de moças e rapazes a
fim de paquerar. Porque, de novo, quem vai para lá quer treinar pesado,
quer ser desafiado, quer sentir algo diferente em seu corpo a cada dia.
Antes
que o leitor fique horrorizado com minha descrição e ache um absurdo
uma moça como eu se meter num salão sem ar condicionado no meio de
homens fortões que urram e transpiram muito enquanto se acabam em
exercícios de força horrorosos, aviso que o cross fit está atraindo
moças e moços de aparência normal, que não são nem pretendem se tornar
fisiculturistas, mas que querem alcançar um nível mais completo de
condicionamento físico do que conseguiriam numa atividade de objetivo
mais específico. Ah, e aviso também que não há nada de horroroso ali.
Conversei
com uma praticante sobre o que ela procura no cross fit. Daniela Yahn é
uma loirinha bonita de 32 anos que sempre praticou esportes
intensamente. Ela me contou que gosta de correr e pedalar muitos
quilômetros e de surfar. Quando veio de Florianópolis para São Paulo, há
quatro anos, não conseguiu achar um substituto para o surfe e ficou só
correndo. Há quatro meses, quando lhe apresentaram o cross fit, achou o
que estava faltando. “Ele mexe muito com a cabeça e me dá bons
resultados pro meu dia a dia. Fico pronta para minhas atividades de
lazer, como correr no fim de semana. E não tem rotina, o que é
maravilhoso. Eu odeio rotina. Já esse negócio de ‘morrer’ no treino eu
amo.”
Já deu para ver que o cross fit não é para mulheres
(e homens) que se acham frágeis e fogem do trabalho duro. Mas o
objetivo do treino não é deixar ninguém fortão, nem preparar corredores
para uma maratona, nem criar atletas. É devolver ao corpo de adultos
normais as capacidades que ele tinha na infância e que perdeu quando
parou de brincar.
Crianças saudáveis são atletas em
potencial. Correm muito, sobem nas coisas, pulam, se penduram, empurram,
competem, e nem param para medir o esforço que fazem durante a
brincadeira. E elas não precisam que ninguém ensine a elas como ou
quanto se movimentar. Improvisam, sem regras e sem limites, em nome da
diversão.
O cross fit se mira na naturalidade dos
movimentos que ninguém ensinou para treinar nossas capacidades físicas e
nos preparar para todo tipo de esforço e de movimento. Por isso a
maioria dos exercícios trabalha o corpo todo ao mesmo tempo, sem isolar
grupos musculares. Por isso o agachamento do cross fit é completo, até
dobrar completamente os joelhos e quase encostar a bunda no chão, não
pela metade como se propõe na ginástica das academias. Por isso os
joelhos podem ser estendidos completamente na posição de pé. Por isso
crianças, atletas e idosos podem e devem fazer os mesmos movimentos, mas
com intensidades diferentes. Por isso, ali, o tempo (agilidade) é
importante. Forças armadas americanas usam muito esse treinamento,
porque precisam estar preparadas para o que vier.
Isso
não quer dizer que no treinamento valha tudo. Os criadores do cross fit,
os norte-americanos Greg e Lauren Glassman, estabeleceram protocolos
para orientar os treinos, com combinações de movimentos e quantidade de
repetições calculadas para melhorar as capacidades físicas e não
machucar. As aulas que conheci usam poucas sequências de exercícios.
Poucas, mas de botar a língua para fora e cair no chão. Às vezes o
número de repetições é maior, às vezes menor do que se costuma propor
nas academias. A sobrecarga também varia, claro. Algumas sequências
padronizadas têm nome de gente, como Helen , Diane ou Tabata. Embora as
aulas sejam feitas em grupo (grupos pequenos), o professor orienta cada
aluno de acordo com seus limites – sem jamais, é claro, subestimar sua
capacidade. Moleza, ali, não tem vez.
Tive minha primeira experiência com o cross fit na sexta-feira passada, no primeiro galpão
brasileiro oficial, aberto no bairro de Perdizes, em São Paulo, desde
novembro de 2009. Aliás, é um lugar bem fofo e limpo, com chão de
borracha preta e paredes pintadas de branco e azul. Além de uma aulinha
teórica sobre os objetivos e os princípios do treinamento, fiz alguns
testes para o professor avaliar o que eu aguentava fazer. Eu diria que o
teste é uma espécie de rito de passagem, porque a dor muscular que eu
senti o fim de semana inteiro por causa de uma sequência insana de
agachamentos (o famoso Tabata, inventado por um japonês maldito) é
realmente inesquecível. Ainda bem que já passou. Mais para frente eu
conto como estou me saindo (alguém achou que eu desistiria?).
O
culpado pela interdição do meu fim de semana é o professor Joel
Fridman, formado na USP e dono de alguns trofeus de levantamento de
peso. Ele é um corajoso. Não só porque (depois de conhecer o cross fit
no Canadá) abriu sozinho um negócio inovador numa cidade repleta de
academias assépticas e modernosas, como também porque sua linha atual de
trabalho é polêmica. Não faltam críticas ao jeitão raçudo e sem rotina
do cross fit. Um dos argumentos em contrário é que os protocolos mais
usados atualmente nas academias prezam pela segurança do praticante e
evitam “exageros”, como o agachamento completo. Também se diz que os
resultados desse treinamento que promete trabalhar tudo ao mesmo tempo
não foram comprovados.
FONTE: Revistaepoca.globo.com
0 comentários:
Postar um comentário
Para mais informações entre em contato:
acadhemia@gmail.com