Quando iniciei a prática da musculação, há mais de quinze anos,
sempre ouvia praticantes mais experientes afirmarem que para aumentar a
massa muscular era necessário ingerir proteína em maiores quantidades do
que o habitual. Imediatamente passei a dar uma atenção maior para esses
alimentos e adivinhem: tive bons resultados! Com a evolução do mercado
de suplementação alimentar em nosso país, no início dos anos 90,
suplementos protéicos, tal como a whey protein, passaram a ser
acessíveis, fazendo companhia para os já conhecidos: aminoácido líquido,
albumina e proteína de soja. Com a introdução desses produtos em minha
alimentação (mesmo sem um adequado acompanhamento profissional) tive
resultados ainda melhores, levando-me a acreditar que uma dieta rica em
proteínas era o grande segredo para a hipertrofia muscular.
Como todo “bom adolescente”, passei a ingerir grandes quantidades de
proteínas, crendo que quanto mais, melhor. No entanto, a partir de um
ponto, a única coisa que aumentava de acordo com o acréscimo na ingestão
protéica, era a gordura corporal e a formação de gases. Essa
experiência me levou a pesquisar e estudar o assunto, o que não foi
fácil, pois, na época, a internet apenas “engatinhava” no Brasil. Pela
leitura de artigos, revistas e livros especializados, descobri que o
processo não era tão simples assim, pois além da ingestão de proteínas,
era necessária toda uma série de outros cuidados nutricionais. E pior,
li em vários livros e revistas que a ingestão excessiva de proteínas
provocaria diversos males à saúde, principalmente no que diz respeito à
saúde renal.
Na mesma hora pensei: minha mãe estava certa quando dizia que aqueles
potes enormes que eu comprava e escondia no armário faziam mal para a
saúde!
Fiquei com uma grande confusão em minha mente! Pois atletas de
bodybuilding há décadas mantinham uma ingestão de proteínas muito maior
do que o recomendado e aparentemente estavam todos com a saúde em ordem,
sem contar o grande resultado que obtinham com esta prática. Afinal,
quem estava correto?
Decidi ir a uma nutricionista para elucidar minhas dúvidas (lembrando
que naquela época poucos profissionais ousavam atuar nesta área) e ela
garantiu que se eu continuasse ingerindo tanta proteína, meu fígado e
meus rins não suportariam tal sobrecarga! Na mesma hora fiquei mais
preocupado ainda, pois não somente os rins, mas também o fígado seria
comprometido!
Passados todos esses anos, observamos uma evolução estrondosa no
mercado da suplementação alimentar, com incontáveis produtos nas
prateleiras, mas parece que as dúvidas continuam as mesmas. Se naquela
época a preocupação era se albumina em excesso fazia mal, hoje a dúvida é
se a ingestão das inúmeras opções de suplementos protéicos disponíveis
no mercado sobrecarregaria fígado ou rins.
Até entendo que nosso país se encontra na vergonhosa 76º posição no
ranking de educação básica e que a informação por aqui chega a passos de
tartaruga, mas, pelo menos entre profissionais envolvidos com
treinamento com pesos, existem mitos que já deveriam ter sido elucidados
há muito tempo.
Analisando os estudos – sérios – disponíveis sobre ingestão protéica e
saúde renal, observa-se que não existem dados consistentes que afirmem a
relação entre uma ingestão elevada de proteínas e prejuízo na saúde
renal de indivíduos saudáveis. O fato da restrição protéica ser uma das
principais medidas no tratamento dietoterápico em pacientes acometidos
de patologias renais, não pode ser estendido para pessoas saudáveis.
A relação entre uma elevada ingestão de proteínas e dano renal se
deve além do fato dos rins eliminarem os produtos do metabolismo
protéico (uréia e amônia), a questão do alto consumo protéico aumentar a
taxa de filtração glomerular, proporcionando aumento da pressão dentro
dos glomérulos nos rins. Mas sabe-se atualmente que essas alterações são
adaptações fisiológicas normais do organismo humano, dentro de um
limite da capacidade renal.
Em 1999, um estudo tendo como objetivo observar a existência de danos
renais em indivíduos obesos com uma ingestão elevada de proteínas, Skov
e colaboradores não encontraram indicações de efeitos adversos na
função renal.
Em 2000, Poortmans e Dellalieux, em outro importante estudo,
concluíram após investigar bodybuilders e outros atletas bem treinados
ingerindo até 2,8 gramas de proteína por quilo de peso, que não existe
correlação entre uma ingestão protéica elevada e dano renal.
Em 2003, Knight e colaboradores publicaram um clássico estudo que
avaliou 1624 mulheres ingerindo uma dieta hiper-protéica e sua relação
com a função renal. Nenhuma associação entre a ingestão hiper-protéica e
decréscimo na função renal foi constatada. Por outro lado, mulheres que
iniciaram o trabalho com um ameno decréscimo nas funções renais,
apresentaram piora com o aumento na ingestão protéica.
Martin; Armstrong e Rodriguez (2005) relatam, após extenso trabalho
de revisão bibliográfica, que apesar de dietas com restrição protéica
serem apropriadas para tratamentos de desordens renais, não existem
evidências significativas para afirmar que uma ingestão elevada de
proteínas está relacionada diretamente com prejuízo para a saúde renal.
Em se tratando da relação entre ingestão protéica e cálculos renais, a
literatura moderna relata que uma elevada ingestão de proteína animal
auxiliaria negativamente apenas em indivíduos com cálculos já em
formação, mas nenhuma desordem foi observada em indivíduos sem essa
característica. Isto demonstra que é necessária uma pré-existente
disfunção metabólica para que a ingestão elevada de proteína possa
exercer algum efeito.
Relaciona-se também a ingestão protéica com perda de massa óssea. No
entanto, isto pode ser verdade para indivíduos susceptíveis, como por
exemplo, mulheres sedentárias no período pós-menopausa, mas não para
indivíduos fisicamente ativos, principalmente aqueles engajados em
treinamento com pesos.
Vale ressaltar que esses estudos consideraram uma ingestão protéica
até cerca de três gramas/kg, sendo que até o presente momento não
existem estudos avaliando ingestões protéicas mais elevadas e seu
impacto na saúde renal a curto, médio e longo prazo.
Após analisar esses estudos podemos concluir, portanto, que uma
ingestão protéica um pouco acima das atuais recomendações para
praticantes de musculação (aproximadamente dois gramas/kg) não está
relacionada a complicações renais em indivíduos saudáveis. No entanto,
antes de acrescentar mais medidas de whey protein em seu shake, devemos
analisar se existe demanda para esta ingestão, pois uma ingestão
desnecessária de proteínas pode inclusive proporcionar acúmulo de
gordura corporal.
Existem pouquíssimas evidências de que uma ingestão protéica acima de
dois gramas/kg promova o crescimento muscular, visto que o excesso
seria convertido em glicose e usado como fonte energética.
Então por que bodybuilders de alto nível em algumas fases da periodização do treinamento ingerem ainda mais proteína?
Ocorre que esses atletas não utilizam tanta proteína apenas visando o
crescimento muscular. Eles também visam otimizar a perda de gordura com
essa estratégia. Com a ingestão controlada de carboidratos associada a
uma ingestão protéica elevada, ocorre um processo em nosso organismo
chamado gliconeogênese (conversão de proteína em glicose). Esse processo
apresenta um alto custo metabólico, ou seja, se gasta mais calorias
para metabolizar a proteína como fonte energética. Isto explica o porquê
de muitos bodybuilders aumentarem a ingestão protéica enquanto reduzem a
ingestão de carboidratos nas semanas que antecedem uma competição.
Lembrando que nas últimas semanas para uma competição, bodybuilders
experientes utilizam diversas técnicas nutricionais, sendo que várias
delas são pouco convencionais e não podem ser consideradas saudáveis.
Desta forma, essas técnicas são reservadas apenas para as semanas
anteriores a uma importante competição. Em qualquer esporte de alto
nível é comum observarmos medidas que não são completamente saudáveis
(perda abrupta de peso, excesso de treinamento, recuperação inadequada
de lesões, etc), mas muitas vezes necessárias para a busca de um bom
resultado. No entanto, estamos falando de atletas de alto nível
experientes e com grande supervisão profissional, e não de pessoas
comuns que buscam a nutrição e o exercício físico para manterem-se
saudáveis e com uma estética apreciável.
Resumindo, uma alimentação rica em carboidratos e gorduras associada à
inatividade física pode ser muito mais maléfica à saúde renal do que
uma ingestão protéica um pouco acima do recomendado, visto que a
obesidade, a hipertensão arterial e diabetes, são conhecidos fatores de
risco para doença renal crônica. A ingestão protéica ideal irá depender
de diversas características individuais e da fase de treinamento em que o
indivíduo se encontra. Portanto, consulte sempre um nutricionista
esportivo experiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Devia, L.; Huffman, J.; Mihevic,
J.; Huszti, A.; Lowery, L. Dietary Protein, Resistance Training and
Health: A Call for Evidence. J. Int. Soc. Sports Nutr. 2008; 5; 23.
Knight, E.L.; Stampfer, M. J.;
Spiegelman, D.; Curhan, G. C. The Impact of Protein Intake on Renal
Function Decline in Women with Normal Renal Function or Mild Renal
Insufficiency. nnals of Internal Medicine, 2003; 138: 460-467.
Martin, W. F,; Armstrong, L. E.; Rodriguez, N. R.; Dietary protein intake and renal function. Nutr. Metab. (Lond). 2005;2:25.
Millward, D. J. Optimal intakes of protein in the human diet. Proc. Nutr. Soc. 1999; 58(2):403-13.
Poortmans, J.R.; Dellalieux, O. Do
regular high protein diets have potential health risks on kidney
function in athletes? Int. J. Sport Nutr. Exerc. Metab. 2000;10:28–38.
Rosenvinge, A.; et al. Changes in
renal function during weight loss induced by high vs low-protein low-fat
diets in overweight subjects. Inter. J. of Obes. 1999;
23(11):1170-1177.
FONTE: Treinototal.com.br
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