Cerveja, benéfica ou não para a musculação?


Agora essa é para as pessoas que gostam de tomar uma cervejinha de vez em quando, quem não gosta não é? Este tema da cerveja e do esporte é muito dividido em questão de opiniões pelos próprios pesquisadores e pelos próprios profissionais esportivos, muitos são contra a ingestão de bebidas alcoólicas em pessoas que praticam ou vivem do esporte, mas muitos outros profissionais da área esportiva afirmam que e cerveja ajuda no ganho de massa muscular na questão da musculação, quando o objetivo do individuo é o ganho de massa. Eu sou da opinião de que uma cervejinha em determinados momentos cai bem, porem deve-se saber o momento em que se deve parar e os momentos em que se pode beber para que nada saia dos planos e prejudique sua vida. Apreciem a leitura.

Recentemente foi divulgado um trabalho produzido por pesquisadores espanhóis em que se recomenda a ingestão diária de cerveja para praticantes de atividade física. Dentre os efeitos alegados, sugere-se que a bebida seja um excelente hidratante, tenha efeito anti-oxidantes, anti-estresse, dentre outras coisas. Para tentar obter informações diretas sobre o assunto, eu realizei buscas incessantes em bases de artigos científicos, como o Medline, mas não encontrei nada que pudesse embasar a conclusão dos espanhóis. Tudo indica que esta é mais uma estratégia de marketing para impulsionar as vendas. O próprio nome do congresso no qual os trabalhos foram apresentados ("Cerveja, Esporte e Saúde", realizado em maio de 2007) já prejudica a credibilidade das pesquisas quanto a sua imparcialidade científica. Aparentemente, as conclusões já estavam prontas bem antes da realização dos “estudos”.

A cerveja possui um teor alcoólico de, em média, 5%, ou seja, cada lata contém cerca de 17,75 ml de álcool, na forma de etanol. Considerando que o etanol tem uma densidade de aproximadamente 0,79 kg/l, calcula-se que uma lata de cerveja tenha, em média, 14 gramas de etanol. As calorias fornecidas pela cerveja são basicamente provenientes do álcool, que libera algo em torno de 7kcal por grama.

Após a ingestão, a maior parte do álcool é absorvida pelo intestino delgado (80%) e estomago (20%), e é rapidamente distribuído pelo corpo devido à sua alta solubilidade em água, se concentrando especialmente no sangue e no cérebro. Quando não há alimentos sendo digeridos, a velocidade de absorção do álcool aumenta expressivamente devido à alta velocidade de esvaziamento gástrico, portanto, a ingestão de álcool com estomago vazio leva a picos mais rápidos e mais intensos de álcool no sangue (conforme amplamente conhecido na prática!). Outro fator que também aumenta a velocidade de absorção é a temperatura, bebidas quentes promovem um pico sangüíneo mais rápido. Apesar da absorção e aparecimento de álcool no sangue serem influenciados por diversos fatores, deve-se ressaltar que a velocidade de eliminação do álcool é invariavelmente mais lenta do que a velocidade de absorção. Estima-se que a eliminação do álcool ocorra em uma taxa de 0,1 g por quilo de massa corporal para homens e 0,085 para mulheres (Weineck, 2000). Isto significa que um homem de 70 quilos é capaz de eliminar a quantidade de álcool contida em duas latas de cerveja a cada hora.

O principal local de degradação ao álcool é o fígado, onde a enzima álcool desidrogenase (ADH) atua na transformação do álcool em acetaldeído, com redução de NAD+ a NADH. O acetaldeído é uma substância potencialmente tóxica que se liga de forma covalente às proteínas, modificando sua estrutura, esta substância aparentemente tem relação com a ressaca induzida pela bebida. Posteriormente, o acetaldeído é oxidado a acetato, com nova formação de NADH. O acetato é em seguida convertido a Acetil CoA. O aumento da concentração de NADH e Acetil CoA inibem o prosseguimento do ciclo de Krebs e levam ao aumento da síntese de gorduras, incluindo o colesterol (Marzocco & Torres, 1999; Voet & Voet, 1996). Esta alteração metabólica pode levar a diversas disfunções, como acúmulo de gorduras no fígado (quadro conhecido como fígado gorduroso) e, em casos graves, à cirrose hepática. Adicionalmente, o aumento da concentração de NADH desloca a reação catalisada pela lactato desidrogenase para formação de lactato, o que pode impedir a glioconeogênese pelo fato de direcionar a conversão dos aminoácidos glicogênicos para formação de piruvato em vez de glicose, induzindo a hipoglicemia (Weineck, 2000; Marzocco & Torres, 1999).

Além dos efeitos metabólicos, o álcool atua no sistema nervoso, comprometendo uma série de funções motoras e cognitivas. Dentre os efeitos conhecidos, estão o aumento do tempo de reação e a piora da coordenação motora. Além disso, é consistentemente comprovado que o consumo habitual de álcool é inversamente proporcional ao desempenho intelectual (Singleton, 2007). Também deve-se ressaltar que o metabolismo do álcool produz estresse oxidativo, com liberação de radicais livres (Dey & Cederbaum, 2006; Colome Pavon et al., 2003; Albano et al., 1988), o que vai de encontro ao afirmado pelos cientistas espanhóis sobre um suposto efeito anti-oxidante da cerveja.

Outro efeito negativo do álcool é a diminuição dos níveis de testosterona. Resumidamente, o eixo da função reprodutiva passa pelo hipotálamo, pela hipófise e pelos testículos. A ingestão de álcool interfere em todos estes pontos, o que pode induzir impotência, infertilidade, perda de funções características masculinas e diminuição do anabolismo protéico (Emanuele & Emanuele, 1998; Emanuele & Emanuele, 2001). Nos testículos, o álcool afeta negativamente a atividade das células de Leydig, que produzem e secretam a testosterona, e também das células Sertoli, que têm um importante papel na maturação dos espermatozóides. Na hipófise, há redução da liberação de hormônio luteinizante e de hormônio folículo-estimulante, os quais estimulam a liberação dos hormônios sexuais. Por fim, a ingestão de álcool interfere na atividade do hipotálamo, alterando os níveis do hormônio liberador de gonadotrofinas que são enviados à hipófise (Emanuele & Emanuele, 1998; Emanuele & Emanuele, 2001). Em mulheres, os efeitos no sistema reprodutivo também são severos, com alterações no metabolismo ósseo, distúrbios menstruais e alterações nos níveis de estrogênio (Emanuele et al., 2002).

Para tentar amenizar a controvérsia das afirmações referentes aos benefícios da cerveja, se usa habitualmente o termo ingestão “moderada”. Aliás, este é o termo usado recorrentemente nas propagandas e demais estratégias de marketing dos vendedores. Mas, cientificamente, o termo “moderado” confere uma subjetividade perigosa ao tema. Como saber o que é “moderado”? Além disso, no caso específico de se afirmar que a cerveja auxilie na hidratação, o termo induz um inevitável paradoxo, pois se a bebida deve ser ingerida em quantidades moderadas, como ela favoreceria a hidratação? Haveria uma briga entre a cruz e a espada: se beber pouco não hidrata, se beber muito fica bêbado!

A quantidade de álcool necessária para alterar o funcionamento do organismo não é tão alta quanto se costuma imaginar. As dosagens de álcool que comprometem a performance psicomotora normalmente se situam acima de 0,4g/kg. Em termos práticos isto significaria que duas latinhas de cerveja já poderiam atrapalhar a performance de uma pessoa de aproximadamente 80 quilos. Surge a pergunta: será que uma quantidade de cerveja inferior a esta seria capaz de hidratar um corredor de fundo, por exemplo? Além disso, é muito difícil acreditar que ela forneça os demais nutrientes em quantidades adequadas, como carboidratos, vitaminas e minerais. Ou seja, a afirmação dos pesquisadores que a cerveja, seria a segunda melhor bebida para o atleta, depois da água, não é aceitável.

Muitos podem observar a quantidade de álcool citada no parágrafo anterior e imaginar que ela é muito baixa, o raciocínio comum é: “mas isso não vale para mim, que já estou acostumado a beber!”. Apesar de muitos acharem que, por beberem mais, terão menores prejuízos na performance, isto é comprovadamente um engano. Em um estudo da Universidade de Chicago, Brumback et al. (2007) avaliaram a resposta psicomotora e a percepção de comprometimento da performance em pessoas que bebiam habitualmente grandes ou pequenas doses de álcool. O estudo envolveu três situações, com a ingestão de placebo, 0,4 ou 0,8 gramas de álcool por quilo de massa corporal. De acordo com os resultados ambos os grupos tiveram as mesmas reduções na performance ao ingerir doses altas de bebida, apesar do grupo que habitualmente bebia mais ter considerado que sua performance caiu menos. Ou seja, o consumo habitual de álcool não deixa o organismo mais resistente, ele apenas altera a percepção da realidade. Os autores destacam que o estudo pode ter implicações importantes para pessoas que ingerem álcool e não têm consciência dos distúrbios cognitivos produzidos pela bebida.

De fato, diversos estudos anteriores relataram que o hábito de beber não atenua os efeitos deletérios do álcool na performance cognitiva ou motora, no entanto, as pessoas que têm o hábito de beber possuem falsa impressão que sua performance é menos prejudicada (King & Byars, 2004; Holdstock et al, 2000; Harrison & Fillmore, 2005). Afinal, quem nunca ouviu a famigerada frase “eu dirijo melhor quando estou bêbado”?

Portanto, a análise das evidências científicas, nos permite concluir que a ingestão de álcool, seja por meio de qual bebida for, não traz vantagens adicionais aos praticantes de atividade física. Pelo contrário, os potenciais efeitos maléficos fazem a balança pender para o outro lado, sugerindo que bebidas alcoólicas devam ser evitadas. Dentre os efeitos negativos que foram abordados aqui podemos citar: hipoglicemia, alteração da função hepática, prejuízo do metabolismo aeróbio e anaeróbio, alteração das funções psicomotoras e queda nos níveis de testosterona. Ressaltando-se que o texto não levou em conta questões mais amplas e talvez até mais importantes, como aumento dos níveis de acidentes e de índices de violência, além da deterioração de relações humanas, etc.

A maioria das reportagens divulgando os “benefícios” da cerveja pode ser considerada irresponsável, pois fornece um tipo de informação que pode facilmente ser mal interpretada. Por exemplo, elas podem servir como um “desencargo de consciência”, justificando a ingestão de bebidas alcoólicas de maneira irresponsável e indiscriminada. O fato de eventualmente se recomendar a ingestão moderada não torna os autores isentos da responsabilidade de estarem passando informações distorcidas e equivocadas.

Não é intenção do presente texto condenar o uso de álcool, no entanto, caso se fosse realizar uma recomendação objetiva com base na literatura conhecida, seria possível dizer aos praticantes de atividade física que não ingerissem bebidas alcoólicas de forma alguma. Por mais que surjam pesquisas sugerindo que a ingestão de determinadas bebidas possa prevenir o aparecimento de doenças cardiovasculares, deve-se lembrar que as mesmas substâncias contidas nas bebidas podem ser obtidas de outras formas, sem a necessidade do álcool que a acompanha, como é o caso de uma alimentação equilibrada. Entretanto, existe um contexto sócio-cultural e até questões de cunho pessoal que transcendem a objetividade da bioquímica e da fisiologia do exercício e que tornam muito difícil a abstinência de bebidas alcoólicas. Caso não seja possível a abstinência, resta apenas indicar que o uso se restrinja ao mínimo possível e seja realizado de forma consciente e controlada, para que os malefícios sejam reduzidos.

Referências bibliográficas:
Albano E, Tomasi A, Goria-Gatti L, Dianzani MU. Spin trapping of free radical species produced during the microsomal metabolism of ethanol. Chem Biol Interact. 1988;65(3):223-34.
Brumback T, Cao D, King A. Effects of alcohol on psychomotor performance and perceived impairment in heavy binge social drinkers. Drug Alcohol Depend. 2007 Jun 7 [Epub ahead of print]
Colome Pavon JA, Jorda Tormo J, Fernandez Requeijo G, Segoviano Mateo R, Diaz Fernandez AJ, Espinos Perez D. [Free radicals and cytotoxicity of ethanol over human leucocytes in peripheral blood] An Med Interna. 2003 Aug;20(8):396-8.
Dey A, Cederbaum AI. Alcohol and oxidative liver injury. Hepatology. 2006 Feb;43(2 Suppl 1):S63-74.
Emanuele MA, Emanuele N. Alcohol and the male reproductive system. Alcohol Res Health. 2001;25(4):282-7.
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Emanuele MA, Wezeman F, Emanuele NV. Alcohol`s effects on female reproductive function. Alcohol Res Health. 2002;26(4):274-81.
Harrison EL, Fillmore MT. Social drinkers underestimate the additive impairing effects of alcohol and visual degradation on behavioral functioning. Psychopharmacology (Berl). 2005 Feb;177(4):459-64.
Holdstock L, King AC, de Wit H. Subjective and objective responses to ethanol in moderate/heavy and light social drinkers. Alcohol Clin Exp Res. 2000 Jun;24(6):789-94.
King AC, Byars JA. Alcohol-induced performance impairment in heavy episodic and light social drinkers. J Stud Alcohol. 2004 Jan;65(1):27-36.
Marzzoco A & Torres B. Bioquímica Básica. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1999
Singleton RA. Collegiate alcohol consumption and academic performance. J Stud Alcohol Drugs. 2007 Jul;68(4):548-55.
Voet D & Voet JG. Biochemistry. 2ª edição. New York, John Wiley & Sons Inc, 1996.
Weineck, J. Biologia do Esporte. 2ª edição. São Paulo, Manole, 2000.

FONTE: Gease.pro.br

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