Revolução Neolítica e Alimentação Atual

 
" O cérebro humano requer cinco vezes mais energia do que o de um mamífero do mesmo tamanho, representando cerca de 20% do dispêndio energético total do corpo, insustentável numa dieta unicamente à base de plantas não processadas."


Se queremos compreender o fenômeno da obesidade, é necessário começar pelo princípio. Tal como todas as espécies, nós humanos estamos adaptados às condições ambientais a que os nossos antecessores foram expostos. A revolução neolítica foi provavelmente o marco mais importante na história evolutiva da humanidade e, há cerca de 10.000 anos, rompeu com milhões de anos de selecção natural. Com ela vieram inegáveis avanços tecnológicos e culturais, mas também a sedentarização, desenvolvimento da agricultura e domesticação que, com o progresso industrial, poderão explicar em grande parte a elevada incidência de obesidade e doenças crônicas no mundo moderno.
Na verdade, estes “avanços” não foram mais do que uma necessidade em resposta a um ambiente em mudança. A expansão demográfica pré-Neolítica aumentou a competição pelo alimento e as lutas entre grupos rivais eram uma constante. A aglomeração em grandes clãs ou aldeamentos era extremamente vantajosa para a proteção e sustento dos povos. Após a última grande glaciação, o clima aqueceu e muitos dos grandes animais extinguiram-se ou deslocaram-se para outras paragens. Uma vez que o alimento providenciado pela Natureza se tornou escasso, tornou-se imperativo produzi-lo. A domesticação dos animais era também mais econômica do que despender tempo, energia e vidas humanas na caça. Tudo isto aconteceu há pouco mais de 10.000 anos, o que na escala evolutiva são apenas meros instantes. Na verdade, dados antropométricos sugerem uma deterioração da saúde humana na transição entre o Paleolítico e o Neolítico. Foram documentados indícios de anemias férricas, infecções ósseas, carência proteica, cáries dentárias, entre outros. Existem até dados que comprovam o canibalismo. De tudo isto podemos que esta carência alimentar séria levou a uma mudança para hábitos pouco saudáveis e condicionados pelos constrangimentos ecológicos da época. Para além da Revolução Neolítica, existem ainda dois pontos de viragem mais recentes que não podem ficar esquecidos. Como não é estranho a ninguém, a obesidade tem uma componente genética importante mas que só se tornou evidente após a Revolução Industrial, e especialmente patente no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, marcado por um avanço tecnológico sem precedentes. Estes marcos correspondem ao inicio da produção em massa de alimento, cada vez mais processado e apelativo, de fácil acesso e relativamente barato.
Antes de falarmos sobre a mudança dos hábitos dietéticos e das próprias características dos alimentos, é pertinente abordar o nosso legado genético Primata. Enquanto que a composição corporal óptima dos mamíferos raramente excede os 5% de gordura, os Primatas têm capacidade para um maior armazenamento energético, potencialmente infinito, com a propriedade proliferativa dos adipócitos. Além disso, a composição corporal é também uma forma de dimorfismo sexual que suporta os elevados custos energéticos da gestação e lactação. É interessante notar que, mesmo comendo quase incessantemente, os grandes primatas não se tornam obesos no ambiente selvagem. No entanto, em cativeiro a história é outra chegando mesmo a desenvolver patologias cardiovasculares e metabólicas, como a diabetes, semelhantes aos seus parentes humanos. Apenas surge uma explicação plausível: o sedentarismo e a disponibilidade e abundância do alimento são a causa principal. Entre os descendentes dos Primatas, o Homem tornou-se exímio na poupança de energia. A locomoção bípede é um bom exemplo, bem menos dispendiosa que a quadrúpede uma vez que recruta bem menos músculos. A libertação das mãos permitiu ainda aceder a frutos e raízes mais ricas em hidratos de carbono e mais densas em energia. A postura erecta diminui também a superfície exposta aos raios UV e previne a perda de água no calor da savana. Em consequência, tornou-se também possível manipular instrumentos contundentes e afiados utilizados na caça. A introdução de proteína e gordura animal na dieta foi determinante na encefalização e desenvolvimento cognitivo da nossa espécie. O cérebro humano requer cinco vezes mais energia do que o de um mamífero do mesmo tamanho, representando cerca de 20% do dispêndio energético total do corpo, insustentável numa dieta unicamente à base de plantas não processadas.
O Paleolítico foi, muito provavelmente, o período da História com a dieta mais saudável e rica. Lembre-se que esta foi reconstituída através de inferências arqueológicos e observações de algumas populações modernas que mantêm hábitos primitivos. Não é possível conhecer com exatidão os padrões alimentares dessa época. O consumo calórico deveria ser alto, rondando as 3000-4000 kcal diárias, onde a carne constituía 35-50% e o restante provinha de plantas selvagens. A combinação de carnes magras, sementes oleaginosas, frutas e vegetais providenciava uma menor quantidade de hidratos de carbono que a dieta moderna, compensada com maior riqueza em micronutrientes e anti-oxidantes, menos sódio e mais fibra. O Paleolítico seria caracterizado por períodos de abundância e escassez, com uma disponibilidade imprevisível de alimento. A capacidade de reservar energia na forma de gordura em períodos fartos providenciava o suficiente para sustentar a actividade física intensa própria do modo de vida na época.
Como vimos, mais do que um progresso, a Revolução Neolítica foi uma necessidade. A domesticação de espécies animais e vegetais possibilitou a armazenagem de alimentos ricos em energia à custa de uma redução na diversidade. Para termos uma ideia, das mais de 200.000 espécies de cereais conhecidas, 3.000 seriam relevantes no Paleolítico, 200 foram domesticadas, e apenas 13 têm importância na actualidade com um domínio evidente do milho. À semelhança, das inúmeras espécies animais selvagens, apenas 50 foram domesticadas e com uma importância diferencial entre regiões. A agricultura criou uma dependência dos cereais que substituíram gradualmente a carne e os vegetais frescos. Os animais eram usados na lavoura, transporte de cargas e como produtores de leite. As alergias actuais associadas ao leite e cereais reflectem uma adaptação ainda incompleta a estes alimentos, com uma introdução na dieta relativamente recente. Foi uma ruptura abrupta com milênios de uma vida nômada e estava plantada a semente para o ambiente obesogênico que persiste nos tempos modernos. A inovação tecnológica permitiu ainda que hoje existam combinações de nutrientes e alimentos que nunca se conheceram na história evolutiva dos Hominídeos  Os lacticínios, cereais, açúcares refinados e óleos vegetais processados representam mais de 2/3 da dieta moderna nos países industrializados, alimentos estes sem qualquer relevância na dieta ancestral. É altura então de explorar-mos um pouco mais estas diferenças.
O leite é um alimento alvo de um intenso debate e polemica;  Ou se detesta ou se adora. Convém lembrar que o consumo de leite proveniente de outros mamíferos, como as vacas, teria sido praticamente impossível antes da domesticação e as razões são óbvias. Dificilmente um animal selvagem se deixaria ordenhar. As primeiras evidências do consumo de leite datam de há 6.000 anos. Portanto, podemos afirmar que os lacticínios são alimentos recentes na dieta humana, o que está de acordo com a elevada prevalência de intolerância à lactose, especialmente em povos orientais.
Os cereais selvagens não são comestíveis sem processamento. O registo fóssil de instrumentos de moagem é um bom marcador cronológico da introdução dos grãos na dieta humana. Tal como o leite, antes do período epi-Paleolítico, 11.000-10.000 anos atrás, não terá havido experiência evolutiva com cereais. Na dieta ocidental, a grande maioria dos cereais consumidos são hoje altamente refinados. Esta transição é essencialmente devida à Revolução Industrial que permitiu o processamento intensivo dos alimentos. Com a invenção de moinhos e peneiras mecânicas no final do século XIX, as características nutricionais dos grãos moídos alterou-se significativamente porque o gérmen e farelo foram totalmente excluídos, deixando apenas o endosperma. Assim, o consumo destas farinhas brancas é também um fenômeno recente com não mais de 200 anos.
Quanto aos açúcares, existe também uma tendência para o aumento do seu consumo. Colocando a questão em números e tendo a Inglaterra como exemplo (existem dados fidedignos disponíveis para este país), o consumo per capita de sacarose (açúcar de mesa) aumentou a uma taxa constante de 6,8kg em 1815 para 54,5kg em 1970. As primeiras evidências da produção de sacarose datam de há 2500 anos na Índia. Antes, o mel seria um dos poucos açúcares concentrados conhecidos pelo Homem, cuja disponibilidade sazonal em muito restringia o seu consumo. Um outro momento importante na história foi o desenvolvimento do processo de “inversão” nos anos 70 que permitiu a produção em massa de HFCS (High-Fructose Corn Syrup) que, em parte, veio substituir a sacarose na dieta moderna e reduziu em muito o custo dos alimentos adoçados, particularmente os refrigerantes ou soft drinks, permitindo assim à indústria alimentar produzir doses maiores ou reduzir o preço de venda. Convém também referir que, hoje em dia, o milho é altamente subsidiado pelos Estados e o seu preço de mercado não reflecte o valor real.
O consumo de óleos vegetais sofreu um aumento dramático no séc. XX. O consumo de óleo alimentar aumentou 130% e de margarina 410%. Mas de maior importância foi a introdução de gorduras vegetais processadas na dieta humana. Novas técnicas permitiram que estes óleos assumissem características estruturais atípicas. A hidrogenização permite solidificar estas gorduras e produz isómeros trans que muito excepcionalmente seriam encontrados em alimentos naturais, Um outro ponto importante é a alteração das características lipídicas da carne em animais domesticados e criados em regime intensivo. As reservas de gordura animal são essencialmente saturadas mas, em animais selvagens, os ácidos gordos dominantes no músculo são poli-insaturados (PUFAs) e mono-insaturados (MUFAs). Como as reservas energéticas de tecido adiposo subcutâneo e visceral (os saturados) estão reduzidas durante a maior parte do ano, os PUFAs e MUFAs são dominantes na carcaça edível de animais selvagens. Assim, um consumo elevado de gordura saturada não teria sido possível em populações caçadoras no Paleolíticas. Com a criação de animais em cativeiro foi possível diminuir a importância das flutuações sazonais na composição corporal providenciando rações à base de farinhas, bem como procedendo ao abate no pico de acumulação de gordura. No inicio do séc. XX já era possível criar um novilho de 550kg pronto para abate em apenas 2 anos. No entanto, a própria macro-histologia da carne é distinta. Ela exibe uma aparência “mármore”, com inclusões de gordura que não são vistas em animais selvagens ou mesmo criados em pastagem extensiva. Esta estrutura resulta da acumulação excessiva de triglicéridos nos adipócitos intrafasciculares. Esta carne tem um conteúdo muito superior em ácidos gordos saturados e uma menor proporção omega-3/omega-6 (n-3:n-6). Mas a tecnologia continuou a sua evolução e hoje é possível criar um novilho de 550kg em apenas 14 meses. Mais de 90% da carne consumida nos países industrializados é produzida desta forma. Portanto, gado enriquecido em gorduras saturadas, pouco omega-3 e alto teor em omega-6 é também uma introdução recente na dieta humana.
À medida que os novos alimentos foram substituindo os selvagens e minimamente processados, alguns indicadores dietéticos também foram alterados. O índice glicêmico (IG) foi desenvolvido há cerca de 30 anos como uma medida do potencial hiperglicêmico comparado de dois alimentos com uma igual quantidade de hidratos de carbono. Dito de outra forma, e se assumir-mos a glicose pura como referência, é a diferença entre as AUC (área abaixo da curva) da glicemia após ingestão de uma dose de glicose e de um alimento com quantidade semelhante de glícidos. Pelas limitações deste parâmetro, em 1997 foi sugerida um outro, a carga glicémica (IG x quantidade de glícidos por dose). De uma forma geral, hidratos de carbono integrais e pouco processados apresentam um IG baixo. A combinação de hidratos de carbono com outros macronutrientes também reduz o IG. Um alimento com alto IG não tem necessariamente uma elevada carga glicémica (GL) já que esta depende também da proporção de glícidos presentes. A elevação dos níveis de glicose no sangue e a secreção de hormonas gástricas estimula a libertação de insulina e o consumo repetido de refeições e alimentos de alto IG resulta em níveis glicêmicos e de insulina médios diários superiores a refeições de menor IG com o mesmo valor energético. É aceite sem grande contestação que altos níveis médios de insulina e glicose podem ser perniciosos para o metabolismo e saúde em geral. A resistência à insulina, um estado pré-diabético caracterizado pela disfunção na sinalização da hormona, é um desses efeitos nefastos e com grande impacto nas sociedades modernas e associado ao muito falado Síndrome Metabólico, quase sempre acompanhado de problemas cardiovasculares, obesidade, hipertensão, hipertrigliceridemia  baixo HDL e elevado LDL. Mas para além do IG e GL, outros factores podem contribuir para este fenómeno moderno. O leite e iogurtes, apesar de terem um baixo IG e GL, são bastante insulinotrópicos. A frutose têm um IG de 23 mas está intimamente relacionada com a intolerância à glicose. Há décadas que é usada em investigação como indutora de resistência à insulina em roedores. Existe hoje uma vasta lista de publicações que relacionam o consumo de frutose com o desenvolvimento de diabetes, hipertrigliceridemia  ácido úrico elevado, entre outros sintomas íntimos ao Síndrome Metabólico. Este tema seria um só artigo mas apenas quero enfatizar que a frutose nunca foi problema antes da introdução do HFCS e açúcares refinados, especialmente nas chamadas soft drinks. Não conheço qualquer prova de que o consumo de fruta possa estar de alguma forma relacionado, não sendo abusivo no entanto especular sobre uma possível ligação.
Quanto às gorduras, existem hoje provas de que o tipo é mais importante que a quantidade. Enquanto que algumas são benéficas, as insaturadas, outras, as saturadas e trans podem ser prejudiciais quando consumidas em excesso. Adicionalmente, a relação n-3:n-6 é também importante e no ambiente obesogênico moderno este equilíbrio está claramente deslocado em favor dos n-6. A ideia geral de que a fracção lipídica da dieta controla os níveis de colesterol, triglicéridos plasmáticos e, de forma genérica, o risco cardiovascular, não está de todo correcta. Hidratos de carbono de elevado GL estão associados ao risco cardiovascular, marcado por dislipidemias acentuadas e elevados níveis de CRP (proteína C-reactiva), um marcador fiável na avaliação do risco de doenças cardiovasculares e inflamação crônica.  Ora esta mudança na composição lipídica da dieta não seria possível sem a revolução que se iniciou no Neolítico. Antes desse período, o elevado consumo de gorduras saturadas e a baixa relação n-3 : n-6 não poderia ter exercido pressão selectiva sobre o Homem e é provável que hoje estejamos mal apetrechados geneticamente para lidar com estas introduções recentes na dieta.
Falemos agora na proporção de nutrientes e densidade em micronutrientes. As dietas ocidentais actuais apresentam uma relação de macronutrientes que se aproximará de 50% hidratos de carbono, 35% gordura e 15% proteína. Comparando com as inferências da dieta Paleolítica, o consumo de proteína é muito inferior (35% vs 15%) e o de hidratos de carbono muito superior (50% vs 30%). Alguns estudos apontam para um efeito positivo de dietas hiperproteicas no perfil lipídico e risco cardiovascular, bem como no controlo da glicemia em diabéticos, manutenção da massa muscular e regulação do apetite. Como vimos, os açúcares refinados e gorduras representam uma fatia importante da alimentação nas sociedades modernas. Estes são praticamente isentos de vitaminas e minerais, pelo que o consumo destes micronutrientes decresceu proporcionalmente com o aumento da sua importância na dieta. Nos países desenvolvidos, cerca de metade da população não atinge os valores diários recomendados de vitamina B6, vitamina A, magnésio, cálcio e ácido fólico. As plantas selvagens e derivados têm uma maior densidade nestes micronutrientes e a introdução dos lacticínios e cereais no Neolítico terá provocado um decréscimo no consumo desses vegetais. Sim… se for um adepto do leite deve pensar que se trata de um alimento muito rico e completo em oligo-elementos, o que não é de todo verdade uma vez que estes não se restringem ao espectro limitado presente no leite. Esta situação piorou ainda com a refinação dos cereais que remove o farelo e gérmen, nutricionalmente mais completos que o endosperma. Da mesma forma, o processamento dos derivados vegetais e ascensão dos lacticínios e gorduras reduziu o consumo de fibra. Alguns efeitos benéficos na saúde lhe são reconhecidos como a redução do colesterol, maior saciedade e controlo do valor calórico da dieta. Mais uma vez, a mudança nos hábitos alimentares que o nosso modo de vida favorece pode ser um dos factores na origem de doenças que nunca antes na nossa história evolutiva foram relevantes.
Gostaria ainda de salientar um ponto que considero de extrema importância. Os próprios mecanismos que estão na origem ou progressão de doenças metabólicas podem ser adaptações a um ambiente totalmente diferente do que vivemos hoje, caracterizado pela abundância e acesso fácil ao alimento. Pense na resistência à insulina. Num ambiente marcado por períodos de escassez e fartura, em que a disponibilidade de alimento não era constante, não seria extremamente vantajoso um mecanismo que permitisse limitar a utilização de glicose nos órgãos periféricos e que estimule a gluconeogênese (produção de novo de glicose)? Desta forma, a glicose seria poupada para o órgão que dela mais depende, o cérebro. A resistência à insulina é isso mesmo. A metabolização da glicose pelo sistema nervoso não recorre aos receptores GLUT-4, aqueles que estão relacionados com a insulina. É reconhecido que alguns aminoácidos e os ácidos gordos têm um efeito inibitório no receptor celular para a insulina. Inibem a utilização de glicose, estimulam a hidrólise de triglicéridos com potencial energético e aumentam a produção de glicose pelo fígado. Claro que numa situação em que tudo é abundante e tudo é em excesso, tal como vivemos hoje, o resultado é bem diferente. Uma vez que não existe falta de glicose ou carência energética, os ácidos gordos são libertados e acumulam-se nos tecidos, exercendo efeitos nefastos no organismo. A gluconeogênese apenas contribui para exacerbar a hiperglicemia e hiperinsulinemia  No final, o que em certas condições seria benéfico, torna-se patológico num ambiente diferente para o qual os nossos mecanismos fisiológicos não estão adaptados.
Nos últimos anos tem emergido uma corrente que defende o retorno às práticas dietéticas ancestrais. Embora considere que os benefícios para a saúde seriam imensos, julgo o conceito um pouco utópico se levado ao extremo. No entanto, a adopção de alguns princípios genéricos é perfeitamente possível e desejável, e estou certo de que iria ajudar no controlo da obesidade e epidemia de doenças crônicas que assola a comunidade. Muitos desses princípios serão abordados individualmente mas penso ter ficado com uma ideia geral. O queria transmitir neste texto é que tão ou mais importante que a escolha dos alimentos em si, é o nosso estilo de vida. O sedentarismo foi um problema que o progresso nos trouxe mas que felizmente pode ser combatido. Mantenha-se activo e faça as melhores escolhas nutricionais. O exercício físico e a nutrição são ainda os medicamentos mais baratos, acessíveis e eficazes.
A DIETA MEDITERRÂNEA
      Desde os anos 1950, os profissionais de saúde como Ancel Keys tem estudado as dietas do povo mediterrâneo. O povo da Grécia, particularmente Creta, tinha a maior expectativa de vida no mundo até 1960, seguido pelo da população do Sul da Itália, Espanha e França. Os aspectos importantes da dieta mediterrânea são a alta ingestão de cereais, grãos, hortaliças, leguminosas secas, azeite de oliva, alho, ervas frescas, frutos do mar e frutas. O vinho é consumido com a alimentação em moderação. Carne e aves são também consumidos com moderação. As gorduras animais na forma de manteiga, creme ou toucinho, não são incluídas na dieta. Muito da alimentação atual do Mediterrâneo pode ser rastreada dos tempos antigos. A área que compreende o Mediterrâneo consiste em 3 continentes e mais de 15 países  Alguns dos países que influenciam a dieta mediterrânea são: Portugal, o sul da Espanha, o sul da França, o sul da Itália, Grécia, Creta, sul da Turquia, Síria ocidental, Líbano ocidental, Israel ocidental, norte do Egito, norte da Líbia, norte da Argélia e do Marrocos. Foi nas costas do Mediterrâneo que a Civilização Ocidental começou. A oliveira, trigo, frutos do mar e carnes eram realçados pelas especiarias árabes do Leste. Diz-se que os árabes tiveram grande influencia na Dieta Mediterrânea, trazendo nozes, açafrão, arroz, espinafre, açúcar de cana e laranjas à região. É lógico que cada país tem a sua própria maneira de prepará-los, tendo adaptado os ingredientes ao sabor local. Mas o que se pode perceber é que existe um consumo comum dos mesmos ingredientes, e até mesmo na cocção. O resultado é bastante promissor, pois embora consumam mais do que as taxas preconizadas para o índice de gordura diária, a saúde de seus longevos, com atividades normais em idades avançadas, faz com que paremos para pensar nos parâmetros que regem a atual dieta ocidental.
      Vamos fazer uma breve exposição dos ingredientes, receitas e características da dieta mediterrânea. A maioria das suas receitas consiste em ingredientes naturais e saudáveis. Uma melhor compreensão da alimentação mediterrânea pode tornar nossas dietas mais saborosas, desfrutáveis e saudáveis, tirando a conotação de que uma dieta tem de ser insossa e monótona.
Azeite de oliva e saúde
É um dos pilares da dieta mediterrânea, não somente por suas características sensoriais e sua boa aceitação, mas também pelos efeitos benéficos demonstrados na saúde. Homero, entendendo seus efeitos benéficos, chamou-o de “ouro líquido” e os romanos ampliaram seu cultivo por todo seu império. A chegada dos árabes à Península Ibérica proporcionou um importante impulso no suco da azeitona, que eles chamaram de az-zait, o azeite. Deste então até nossos dias, o azeite de oliva tem merecido atenção e elogio de escritores e entendidos em nutrição e gastronomia.
Carne curada e embutidos
Ao longo dos tempos, a carne fresca tem sido processada, e dentro dos diversos animais consumidos, o seu processamento foi a forma encontrada para facilitar o armazenamento. Era também uma maneira de aproveitar as partes menos úteis, sem desperdícios da carne abatida. A grande tradição mediterrânea de presuntos e embutidos é provavelmente de origem romana e grega e assim demonstram os nomes como linguiça e salsicha que provem dos embutidos romanos lucânica e salsicius. Aos gregos se atribui a invenção do chouriço de sangue. O presunto oferece um generoso aporte de vitaminas do complexo B, sobretudo a niacina. É rico em ferro, magnésio, zinco e cálcio, e principalmente em fósforo. Cabe destacar que a gordura do presunto ibérico tem uma característica importante: o ácido graxo majoritário é o oleico  característico do azeite de oliva. Este facilita a produção de HDL (o bom colesterol) no organismo, reduzindo ao mesmo tempo o LDL (o mau colesterol).
Carne fresca
Os conhecimentos a cerca do consumo de carnes na alimentação humana remontam desde o Neolítico, baseados em achados e estudos arqueológicos. Posteriormente, as primeiras fontes escritas (no Egito e no Oriente Próximo, principalmente) dão uma ideia aproximada a respeito do consumo das carnes e da transformação do ser humano de caçador a criador. Isto provocou o desenvolvimento de várias técnicas e métodos de conservação (salgados, dessecados, defumados) que permitiram ao homem, mesmo em períodos de escassez, seu consumo constante. Sem dúvida, as carnes tem sido e são alimentos muito valorizados e apreciados pelos humanos. Do ponto de vista nutricional, a abundancia de proteínas de elevado
valor biológico, assim como sua riqueza em ferro e outros minerais e vitaminas, fazem das carnes um alimento ótimo, que deve ser incluído na alimentação humana de forma racional. Assim, em termos gerais, pode-se afirmar que as carnes são boa fonte de minerais: potássio, sódio, zinco, fósforo e ferro. Com respeito às vitaminas, as carnes fornecem uma excelente quantidade, sobretudo do complexo B (B1, B2, B3, B6 e B12).
Frutas
Sabe-se que a fruta é consumida como sobremesa, ao final da refeição, desde o tempo do Império Romano. Os romanos reservavam as frutas para o final de suas refeições abundantes e intermináveis, porque conheciam seus efeitos saciantes e anorexígenos. Para aumentar as festas e não frustrar precocemente suas comilanças, deixavam a uva, cerejas, melões e outras frutas da temporada para o final dos festins. O alto teor de frutose da fruta faz com que tenha capacidade para reduzir o apetite. As frutas são um grupo de alimentos de origem vegetal, com um alto aporte de vitaminas, minerais, fibras e água, e baixo teor energético. Estudos sobre a dieta mediterrânea destacam os nutrientes que aparecem nas frutas como agentes que repercutem beneficamente na saúde. As frutas têm um importante papel na alimentação equilibrada em qualquer etapa da vida. São alimentos bem aceitos pelas pessoas em geral, básicos durante a vida adulta e imprescindíveis para a formação de bons hábitos alimentares, na infância e adolescência. Por outro lado, a diminuição observada no consumo de frutas, principalmente na população infantil e juvenil, faz com que seja necessário uma mobilização imaginativa para fazer chegar à população, a conveniência de seu consumo por seu valor nutricional e papel protetor da saúde.
Frutos secos
São aqueles frutos cuja parte comestível é a semente e possuem em sua composição menos de 50% de água. Portanto esta definição abrange alimentos de diferentes origens, que compartilham de uma particularidade: ricos em gorduras (menos para a castanha portuguesa) e pobres em água. São fontes ricas em antioxidantes (vitamina E e selênio), minerais e fibras. São alimentos muito nutritivos e completos, que se adaptam facilmente a diferentes pratos, podendo ser salgados ou doces, ou podem ser consumidos como aperitivos ou petiscos ao longo do dia. No Mediterrâneo é comum serem utilizados como elementos de decoração ou enriquecimento de sobremesas, pães e biscoitos. Com eles se elaboram produtos típicos das festas natalinas como os torrones, por exemplo.
Hortaliças e verduras
Desde a antiguidade o consumo de hortaliças e verduras faz parte da dieta mediterrânea, sendo uma de suas principais características. Desde o ano 50 de nossa era, Plínio, o Velho, descobriu que os vegetais podiam ser consumidos crus, com um pouco de sal e vinagre. A estes se chamou “acetaria”, o que poderia ser considerado como antepassado da salada. Estes elementos permanecem atrelados à dieta mediterrânea até os dias atuais, por terem se adaptado perfeitamente ao estilo urbano e rápido da vida atual. São pobres em gordura e proteínas, mas constituem um concentrado de fibras, carboidratos, vitaminas, minerais e outros componentes saudáveis que combinam sabores ao longo de toda a costa mediterrânea, desde tempos imemoráveis. Na atualidade sabe-se da importância que tem na saúde e nos possíveis benefícios sobre esta. As recomendações se encontram por volta de 5 porções diárias, sendo uma delas de forma crua.
Ovos
Na época romana, os ovos se converteram em um ingrediente indispensável na cozinha e principalmente na confeitaria. Na Idade Media, constituíram um alimento básico das pessoas mais humildes. Também no século XXI ainda é um alimento barato, de fácil cocção, grande versatilidade culinária e valor nutricional. A fama do ovo como alimento se explica, entre outros motivos, por suas características nutritivas. Considera-se como alimento de referência por possuir todos os aminoácidos essenciais. Tem um aporte de altas quantidades de vitaminas (B12, ácido pantotênico, biotina, vitaminas D, A, B2 e niacina) e minerais (especialmente selênio, fósforo, iodo e zinco) e uma quantidade relativamente baixa em calorias. A gordura suposta da parte comestível é de 10,8% e inclui uma elevada proporção de fosfolipídios, alta quantidade de acido graxo essencial linoleico  elevado conteúdo de ácidos graxos monoinsaturados e uma relação entre ácidos graxos polinsaturados e saturados muito favoráveis. Cada ovo contem cerca de 245mg de colesterol. As características na composição lipídica do ovo e os conhecimentos que se tem atualmente sobre a etiologia das enfermidades coronárias, obrigam a retificar a má fama que teve até pouco tempo na sua relação com o colesterol plasmático e a enfermidade coronária.
Derivados lácteos
Os leites fermentados são muito utilizados por sua alta digestibilidade e durabilidade. A origem se localiza nas tribos nômades do Oriente Médio, Bálcãs e Cáucaso. A evolução destes produtos ao longo dos anos pode ser atribuída às habilidades culinárias destes povos que transmitiram a arte da fabricação do leite fermentado de geração em geração. São excelentes fontes de proteína de alto valor biológico, minerais (cálcio, fósforo, potássio) e de vitaminas (A, D, riboflavina, acido fólico e B12). Um grande número de indivíduos tolera melhor a lactose dos leites fermentados que a do leite. A lactose dos queijos maturados praticamente desaparece devido à fermentação dos microrganismos. O iogurte tem alto valor nutritivo e seu consumo é associado a uma serie de benefícios para a saúde. Proporciona muitos nutrientes junto com microrganismos vivos capazes de melhorar o equilíbrio da flora intestinal.
Leguminosas
Segundo dados históricos, as leguminosas são cultivadas desde as épocas muito remotas, e os homens primitivos as consumiam quase cotidianamente em forma de papas ou purês nos diferentes paises da costa mediterrânea. A possibilidade de poder conservar-se durante muito tempo inalterado um gênero alimentício, de fácil preparo, com valor nutritivo ótimo, foi sem dúvida o motivo de seu êxito e a incorporação aos costumes alimentares de muitos países, entre eles o Brasil, que perduram até nossos dias. As leguminosas mais características do Mediterrâneo são as lentilhas, o grão-de-bico e o feijão branco. A composição nutricional das diversas variedades de leguminosas é altamente recomendada, devido às concentrações adequadas e equilibradas de nutrientes. Esta composição pode variar ou modificar-se por inúmeros fatores. A presença de nutrientes variados como proteínas de alto valor biológico, carboidratos complexos, vitaminas, minerais, fibras e baixo teor graxo, conferem às leguminosas uma grande importância, assim como alto interesse nutricional em serem utilizadas na alimentação humana.
Mel
É utilizado como alimento desde o raiar da humanidade. Para muitas tribos primitivas era também um elemento ritual, como se pode observar no antigo Egito, onde se embalsamavam os mortos com mel. O mel era praticamente o único adoçante existente na maioria das civilizações antigas, até que os árabes introduziram a cana de açúcar no século IX. Nesta época, o açúcar era considerado como um artigo de luxo.
Dos cem componentes integrantes do mel, os elementos principais são os açúcares (na maior parte frutose e glucose), água e, em menor quantidade, vitaminas e minerais. Entre suas vitaminas encontram-se as do grupo B e a vitamina C, mas em quantidades tão insignificantes que não representam um grande valor nutritivo. Possivelmente é o pólen que fornece as proteínas, vitaminas e minerais, visto que o mel contem mil grânulos em suspensão.
Pão
Atribui-se aos egípcios (600 anos AC) a arte de elaborar os primeiros pães fermentados, passando do consumo de pão ázimo (sem fermento) feito sobre pedras, ao consumo de pães fermentados e cozidos em fornos especiais. Este alimento tem estado presente em todas as culturas mediterrâneas ao longo dos tempos. Tem sido o sustento principal dos desfavorecidos, utilizado como acompanhamento em refeições das classes privilegiadas, como lanche dos viajantes, como moeda para o pagamento de trabalhadores, como símbolo de riqueza e poder. É um alimento básico e seu consumo está amplamente espalhado. Obtem-se da fermentação da farinha, misturada com fermento (Saccaromyces cerevisiae), sal e água, o trabalho da massa e sua posterior cocção. O componente maior são os carboidratos em forma de amido. Contem fibra, minerais e vitaminas, os integrais em maior quantidade que os brancos, e relativamente pouca gordura (exceto pão de forma, ao qual se adiciona gordura para obter as características sensoriais especificas).
Macarrão
Na mitologia latina conta-se que houve uma disputa entre Vulcano, o deus do fogo e Ceres, a deusa da vegetação e dos grãos. O deus enfureceu-se tanto que arrancou todos os grãos de trigo da terra e os amassou com sua enorme clava de ferro. A farinha que obteve, introduziu na boca do Vesúvio entre suas chamas e vapores, e então as regou com azeite e comeu o primeiro prato de macarrão com azeite da história.
A matéria prima mais recomendada para a elaboração das massas são as sêmolas de trigo duro, que tem um alto teor em proteínas, ricas em glúten e relativamente pobres em amido. Este tipo de trigo tem uma particularidade que mesmo depois de moída, seus produtos continuam sendo granulosos, o que permite que se elabore uma massa resistente à cocção, mais consistente e menos pegajosa. O valor nutritivo da massa é indiscutível, tendo em conta que é elaborada a partir do trigo. Mais importantes ainda em riqueza nutricional são as massas elaboradas com ovos. As proteínas do trigo são de baixo valor biológico e necessitam ser combinadas com outros alimentos proteicos  Nas massas “com ovos” esta situação é perfeita. As proteínas do trigo se combinam com as do ovo (de alto valor biológico) para terminar em um alimento muito nutritivo. Por outro lado, o macarrão normalmente se alinha com o azeite, e na costa mediterrânea falar de azeite, significa o de oliva. As conclusões são obvias, um prato quase perfeito do ponto de vista nutricional.
Cereais: arroz
Atribui-se aos árabes a expansão de seu cultivo pela Península Ibérica. O arroz é o cereal cujo cultivo está mais difundido pelo mundo, só superado pelo trigo. Outros cereais característicos do mediterrâneo são o centeio, milho, cevada, aveia e amido de milho. Tem um consumo mais regional e de menor amplitude que o trigo e o arroz. A maior parte da energia proveniente do arroz vem dos carboidratos, especialmente do amido. O conteúdo em fibra dietética e mais do dobro no arroz integral que no branco, e quanto às fibras se destaca a fibra insolúvel (celulosa, lignina, algumas hemicelulosas). O conteúdo em proteínas oscila entre 6 e 8% em ambos tipos de arroz, e o arroz é o cereal que contem menor proteína quantitavamente dentro do grupo. A diferença do trigo e de outros cereais, as proteínas do arroz contem glúten. O teor de lipídeos não é significativo e em relação aos micronutrientes, seu valor é maior no arroz integral que no polido, com exceção do cálcio e zinco.
Pescado
Durante a época romana, o pescado, fresco ou em conserva, era um componente importante da dieta romana e são conhecidas listas que incluem as numerosas espécies mais consumidas como alimento. Os romanos estabeleceram um extenso sistema de tanques ou viveiros, nos quais podiam conservar pescados, tanto espécies de água doce como de água salgada. Atualmente, graças aos modernos transportes, temos todo tipo de pescados nos mercados de qualquer parte do mundo. Também podemos especificar que a sardinha é o pescado mais importante do ponto de vista econômico de todo o Mediterrâneo, e que o atum, ainda que habite no Atlântico, se reproduz no Mediterrâneo. Outro pescado abundante neste mar é o bacalhau. É essencialmente estrutural, já que contem uma grande quantidade de proteínas de alto valor biológico, fornecem todos os aminoácidos essenciais em quantidade adequadas. O pescado gordo é um alimento energético e uma das fontes principais de acido graxos Omega 3.
Vinho
A história do vinho é tão antiga quanto a humanidade. O vinho imprimiu um caráter marcante nas civilizações e nos povos que souberam elaborá-lo e apreciá-lo. O homem pré histórico sabia com toda certeza como elaborar vinho, e os paleontólogos encontraram fosseis que parecem vestígio de azeitonas e uvas prensadas. Os escritos mais antigos, incluindo as tabuas de argila cuneiforme da Babilônia, e os papiros do antigo Egito, contem numerosas referencias ao fruto fermentado da videira. A civilização cristã transmitiu o conceito simbólico da criação do vinho por Noé. Até o século XIX, a maioria dos vinhos que se consumiam eram sempre do ano devido às dificuldades de conservação. Com Pasteur pode-se dizer que nasceu a moderna Enologia, que é de certo modo a medicina do vinho. O consumo moderado de vinho é uma característica dos países da costa do Mediterrâneo. Não somente pelo tipo de álcool consumido mas também pela maneira de consumi-lo, pode atuar como protetor da enfermidade coronária. O vinho está presente na mesa da família de uma maneira habitual. O papel do vinho na dieta mediterrânea começou a levantar suspeitas a partir do que se chamou de “paradoxo francês”. A mortalidade por enfermidade coronária não era a mesma para um
francês de Toulouse que para um norte americano da Califórnia. No sul da França a taxa de mortalidade era muito menor e se suspeitou de que o consumo de vinho tinha algum papel nesta relação. Ainda que seja difícil recomendar o consumo de álcool, conhecendo os efeitos prejudiciais do mesmo quando consumido em quantidades excessivas, existem numerosos estudos que relacionam o consumo moderado de álcool (principalmente vinho) com a enfermidade coronária, com a demência, e com os altos níveis de glucose depois das refeições. (Licinia de Campos- SIC)
DIETA PALEOLÍTICA. NOVA PANACEIA?
Juliana Vines (Fôlha S.Paulo)
Coma apenas o que você poderia caçar, matar, colher ou tirar da terra, como um homem das cavernas. Esse é o primeiro mandamento do regime proposto pelo economista americano Arthur De Vany no livro "The New Evolution Diet", lançado nos EUA. A obra chega ao Brasil em maio, editada pela Larousse, ainda sem título.
Tribo nova-iorquina segue estilo de vida "das cavernas"
Seguidor da paleodieta defende pontos mais polêmicos. Trogloditas modernos pregam cardápio de Fred Flinstone e atividade física de caçador para emagrecer e evitar doenças. Há pelo menos duas décadas, De Vany, que leciona na Universidade da Califórnia, segue cardápio semelhante ao de 40 mil anos atrás: muita carne, frutas e vegetais. Não é o único. A dieta paleolítica --uma referência ao período pré-histórico-- é pouco conhecida no Brasil, mas não é novidade na Europa e nos EUA.
Café da manhã: restos de rosbife grelhado e algumas uvas ou blueberry (à esquerda); almoço: salada caseira de ovos com um toque de maionese, alface romana com fatias de cebola roxa, azeitonas pretas e verdes e molho tipo italiano feito em casa, e alguns pedaços de melão (ao centro); jantar: costela de porco assada (à direita)
O argumento principal dos seus defensores é que o DNA humano não está adaptado para comer alimentos industrializados e cereais.
"Vivemos mais tempo que no Paleolítico, mas passamos a maior parte da vida doentes. Doenças crônicas, como diabetes e obesidade, podem ser evitadas com a dieta correta", disse De Vany . O cardápio ideal, na visão dele, é aquele praticado 500 gerações atrás.
Faz coro com ele o pesquisador português Pedro Carrera Bastos, da Universidade de Lund, Suécia. "As necessidades dietéticas são determinadas geneticamente. As alterações ambientais, sociais e culturais dos últimos 10.000 anos são recentes numa escala evolucionista." Segundo Lund, 70% das calorias ingeridas hoje pelos norte-americanos são de alimentos que não existiam em sociedades tradicionais.
Loren Cordain, pesquisador em ciências da saúde da Universidade do Colorado (EUA), é um dos maiores defensores da dieta. Em 2002, lançou o livro "The Paleo Diet", com receitas para "perder peso e ganhar saúde". "Não inventei essa dieta, ela está inscrita nos seus genes", diz, no começo do livro. Quer argumento melhor?
A paleodieta tem preceitos polêmicos. Além de desconstruir a pirâmide alimentar tradicional, os seguidores recomendam alternar períodos de jejum com refeições fartas (sem contar calorias). Carboidratos? Só de frutas. Cereais são totalmente proibidos, mesmo os integrais, principalmente soja e trigo.
"Todos os cereais têm antinutrientes (como lectinas), que podem ter efeitos adversos, em especial quando a ingestão é elevada", diz Bastos.
Nutricionistas e nutrólogos discordam, assim como as organizações internacionais de saúde.
Para os defensores da paleodieta, os padrões de nutrição é que estão errados. "É algo a se considerar. Talvez sigamos um modelo errado. Temos recomendações internacionais do que seria uma dieta saudável e, mesmo assim, não revertemos a obesidade e as doenças crônicas", pondera a nutricionista Helena Alves Sampaio, professora da Universidade Federal do Ceará. Ela coordenou uma revisão de estudos sobre paleodieta e prevenção de doenças cardiovasculares. "Ainda faltam pesquisas comparativas. Alguns trabalhos mostram que diminuir carboidratos e laticínios é benéfico contra aterosclerose."
Diminuir pode até ser, mas cortar açúcares e cereais faz muito mal, segundo o endocrinologista Alfredo Halpern, da Abeso (associação para estudo da obesidade).
CÉREBRO AFETADO
"A deficiência de carboidrato pode alterar o funcionamento cerebral. O cérebro se alimenta primeiramente de carboidratos. Duvido de qualquer dieta que deixe de fora algum grupo alimentar."
Para o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Abran (associação de nutrologia), o maior problema é pular refeições com a justificativa de que isso estimula o gasto energético. "Nenhum trabalho científico comprovou que ficar sem comer faz bem, pelo contrário."
Segundo Halpern, aconteceram, sim adaptações genéticas, explicadas por mudanças na forma como os genes se manifestam, mas que não envolvem alteração no DNA.
"Não há dúvida de que os genes eram muito parecidos, mas quando o homem passou a tomar leite, nosso organismo começou a produzir a lactase, enzima para digerir. Um exemplo de adaptação."
ACERTOS DE CONTAS
Não há só erros na dieta paleolítica. "Sempre falamos que comer alimentos naturais faz bem e que é preciso evitar industrializados", diz a nutricionista Camila Torreglosa, do HCor. Para o nutrólogo Ribas Filho, só o fato de a pessoa se preocupar com o que come já faz com que sua dieta melhore. "Não é só a dieta, é preciso ter um estilo de vida compatível, com atividade física." A paleodieta recomenda atividades físicas intensas alternadas com fases de ócio. De Vany critica movimentos repetitivos das academias. O fato é que comendo pouco e se exercitando bastante é difícil não ter resultados.
"Qualquer dieta de restrição calórica com exercícios físicos faz perder peso. E qualquer perda de peso já diminui o risco de doenças crônicas", acrescenta Halpern.

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